Reforma da previdência e estradas bloqueadas: Nicarágua tem crise familiar - mas pior
Os ingredientes são familiares aos brasileiros, mas o resultado, até agora, tem sido ainda mais trágico. Em crise há mais de um mês, inicialmente devido a uma tentativa de reforma da previdência, a Nicarágua já soma 80 mortes, 800 feridos e desabastecimento de suas principais cidades devido a bloqueios nas estradas.
No país centro-americano, supermercados foram saqueados, estações de rádio e TV foram tiradas do ar e a polícia reprime violentamente manifestantes em diversas localidades, inclusive dentro de universidades. Um jornalista foi morto com um tiro na cabeça durante uma transmissão ao vivo.
Os protestos no país começaram com uma proposta de reforma da Previdência em abril, e agora os manifestantes exigem a saída do presidente Daniel Ortega - um ex-revolucionário que se manteve no poder na última década graças a concessões e arranjos com a direita do país.
A onda de violência é considerada a pior desde o fim da guerra civil por qual passou o país na década de 1970. Na época, o atual presidente era um dos líderes do grupo guerrilheiro que derrubou o governo da dinastia Somoza --apoiada pelos EUA.
Os manifestantes são em sua maioria estudantes universitários, mas outros setores da sociedade também se juntaram ao movimento, como camponeses e parte do empresariado. No âmbito político, no entanto, Ortega tem uma base consolidada - a principal força de oposição, a Coalizão Nacional pela Democracia, de direita, foi neutralizada pelos arranjos do presidente.
Protestos começaram por reforma na Previdência
Os protestos na Nicarágua começaram no dia 18 de abril, quando o presidente Ortega anunciou uma reforma da Previdência. A reforma previa o aumento de impostos e da idade mínima para aposentar, e diminuiria o benefício dado a pessoas já aposentadas. A ideia não agradou.
Com as ruas em chamas, o governo recuou da medida. Ainda assim, instigados pela violenta repressão, os protestos continuaram. A população agora exige a libertação de manifestantes presos, a troca do comando da polícia e até a saída de Ortega do poder.
O governo, por sua vez, acusa manifestantes de serem membros infiltrados de gangues, que têm por objetivo destituir Ortega. Ele tem respondido com repressão brutal. Além da ação da polícia e de grupos paramilitares, o exército foi enviado para algumas localidades - como Estelí, cidade localizada a 185 quilômetros da capital Manágua, e que se tornou um dos epicentros de protestos.
O número de mortos e feridos foram contabilizados pelo Centro da Nicarágua para Direitos Humanos (Cenidh), que condena a violência da polícia. "Disparos de balas de diferentes tipos, na cabeça e no peito [das vítimas], evidenciam que o objetivo das forças policiais e paraestatais não é dissuadir os protestos, mas sim aniquilar os que reclamam", diz um comunicado divulgado pelo centro.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) enviou uma comissão ao país, que condenou o "padrão de violência e repressão" observado.
Para além da ação da polícia, as organizações denunciam a violência de grupos paramilitares, como a autodenominada Juventude Sandinista
Diretora para as Américas da Anistia Internacional, a advogada de direitos humanos Erika Guevara-Rosas presenciou, nesta segunda-feira (28) um ataque de sandinistas contra estudantes entrincheirados na Universidade Nacional de Engenharia (UNI). Ela postou vídeos do ataque no Twitter.
Un nuevo ataque contra estudiantes en #Nicaragua. Nuestra directora @ErikaGuevaraR estuvo allí cubriendo la represión #EnVivo. ¿Cuánta más violencia tiene que pasar? Comparte este video usando #SOSNicaragua pic.twitter.com/
PBhLpfvkJ5
— AmnistiaOnline (@AmnistiaOnline) May 28, 2018
Manifestantes pedem a saída de presidente e vice
Ortega se tornou um nome renomado no país como líder da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), guerrilha que ajudou a pôr fim à ditadura em vigor no país em 1979 --e que era apoiada pelos Estados Unidos. O episódio ficou conhecido como Revolução Sandinista.
Cinco anos mais tarde, em 1984, Ortega foi eleito presidente e cumpriu um mandato de seis anos, sem conseguir ser reeleito ao final. Ele voltou ao poder em 2006 e, novamente, em 2016.
O presidente tem hoje o apoio de todos os setores do governo, além dos militares e da camada mais pobre da população, beneficiada por programas populares. Seus últimos mandatos foram caracterizados por uma agenda liberal --o que lhe rendeu também a simpatia de parte do empresariado. A economia do país ainda foi favorecida, durante seu governo, por repasses da Venezuela que, com a crise no país sul-americano, começam a secar.
Ortega é agora acusado de intervir na Assembleia Nacional, no Supremo e em eleições locais. Há quem o acuse também de tentar construir uma "ditadura familiar". Sua mulher, Rosario Murillo, concentra atribuições enquanto vice-presidente e porta-voz do governo.
Um dos gestos icônicos dos manifestantes tem sido derrubar os "chayopalos" coloridos que decoram as ruas da capital. "Chayopalos" são enormes estruturas de ferro em forma de árvore, consideradas o símbolo de Rosario Murillo.
"Daniel Ortega não tem mais a capacidade política nem a autoridade moral para continuar governando", escreveu o jornal oposicionista La Prensa.
Manifestantes que exigem a saída do casal querem também eleições antecipadas.
Com mais mortes, diálogo foi retomado nesta segunda
Os diálogos, intermediados pela Igreja, pareciam estar caminhando até quarta-feira (23), quando o governo rejeitou a agenda apresentada pela oposição.
A interrupção levou a uma nova onda de violência, que havia arrefecido nos últimos dias. Ao menos quatro pessoas morreram desde que o diálogo foi interrompido.
Nesta segunda (28), a Conferência Episcopal da Nicarágua convocou novamente representantes do governo e da oposição para a mesa de diálogo, mas ainda não há resultados dessa conversa.
"A delegação do governo e a Aliança Cívica pela Justiça e Democracia expressaram sua disposição de retomar o diálogo nacional na mesa plenária para reaver a agenda do tema da democratização", diz um comunicado publicado em conjunto. A aliança cívica é formada por estudantes, sociedade civil e empresários.
Os opositores prometeram "flexibilizar" os bloqueios das estradas, uma das principais preocupações do governo.
Ortega não parece disposto a deixar o poder e sua base de sustentação, por ora, permite que siga no cargo. Em contrapartida, os manifestantes parecem ceder, mesmo ante a violência.
Os protestos no país começaram com uma proposta de reforma da Previdência em abril, e agora os manifestantes exigem a saída do presidente Daniel Ortega - um ex-revolucionário que se manteve no poder na última década graças a concessões e arranjos com a direita do país.
A onda de violência é considerada a pior desde o fim da guerra civil por qual passou o país na década de 1970. Na época, o atual presidente era um dos líderes do grupo guerrilheiro que derrubou o governo da dinastia Somoza --apoiada pelos EUA.
Os manifestantes são em sua maioria estudantes universitários, mas outros setores da sociedade também se juntaram ao movimento, como camponeses e parte do empresariado. No âmbito político, no entanto, Ortega tem uma base consolidada - a principal força de oposição, a Coalizão Nacional pela Democracia, de direita, foi neutralizada pelos arranjos do presidente.
Protestos começaram por reforma na Previdência
Os protestos na Nicarágua começaram no dia 18 de abril, quando o presidente Ortega anunciou uma reforma da Previdência. A reforma previa o aumento de impostos e da idade mínima para aposentar, e diminuiria o benefício dado a pessoas já aposentadas. A ideia não agradou.
Com as ruas em chamas, o governo recuou da medida. Ainda assim, instigados pela violenta repressão, os protestos continuaram. A população agora exige a libertação de manifestantes presos, a troca do comando da polícia e até a saída de Ortega do poder.
O governo, por sua vez, acusa manifestantes de serem membros infiltrados de gangues, que têm por objetivo destituir Ortega. Ele tem respondido com repressão brutal. Além da ação da polícia e de grupos paramilitares, o exército foi enviado para algumas localidades - como Estelí, cidade localizada a 185 quilômetros da capital Manágua, e que se tornou um dos epicentros de protestos.
O número de mortos e feridos foram contabilizados pelo Centro da Nicarágua para Direitos Humanos (Cenidh), que condena a violência da polícia. "Disparos de balas de diferentes tipos, na cabeça e no peito [das vítimas], evidenciam que o objetivo das forças policiais e paraestatais não é dissuadir os protestos, mas sim aniquilar os que reclamam", diz um comunicado divulgado pelo centro.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) enviou uma comissão ao país, que condenou o "padrão de violência e repressão" observado.
Para além da ação da polícia, as organizações denunciam a violência de grupos paramilitares, como a autodenominada Juventude Sandinista
Diretora para as Américas da Anistia Internacional, a advogada de direitos humanos Erika Guevara-Rosas presenciou, nesta segunda-feira (28) um ataque de sandinistas contra estudantes entrincheirados na Universidade Nacional de Engenharia (UNI). Ela postou vídeos do ataque no Twitter.
Un nuevo ataque contra estudiantes en #Nicaragua. Nuestra directora @ErikaGuevaraR estuvo allí cubriendo la represión #EnVivo. ¿Cuánta más violencia tiene que pasar? Comparte este video usando #SOSNicaragua pic.twitter.com/
PBhLpfvkJ5
— AmnistiaOnline (@AmnistiaOnline) May 28, 2018
Manifestantes pedem a saída de presidente e vice
Ortega se tornou um nome renomado no país como líder da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), guerrilha que ajudou a pôr fim à ditadura em vigor no país em 1979 --e que era apoiada pelos Estados Unidos. O episódio ficou conhecido como Revolução Sandinista.
Cinco anos mais tarde, em 1984, Ortega foi eleito presidente e cumpriu um mandato de seis anos, sem conseguir ser reeleito ao final. Ele voltou ao poder em 2006 e, novamente, em 2016.
O presidente tem hoje o apoio de todos os setores do governo, além dos militares e da camada mais pobre da população, beneficiada por programas populares. Seus últimos mandatos foram caracterizados por uma agenda liberal --o que lhe rendeu também a simpatia de parte do empresariado. A economia do país ainda foi favorecida, durante seu governo, por repasses da Venezuela que, com a crise no país sul-americano, começam a secar.
Ortega é agora acusado de intervir na Assembleia Nacional, no Supremo e em eleições locais. Há quem o acuse também de tentar construir uma "ditadura familiar". Sua mulher, Rosario Murillo, concentra atribuições enquanto vice-presidente e porta-voz do governo.
Um dos gestos icônicos dos manifestantes tem sido derrubar os "chayopalos" coloridos que decoram as ruas da capital. "Chayopalos" são enormes estruturas de ferro em forma de árvore, consideradas o símbolo de Rosario Murillo.
"Daniel Ortega não tem mais a capacidade política nem a autoridade moral para continuar governando", escreveu o jornal oposicionista La Prensa.
Manifestantes que exigem a saída do casal querem também eleições antecipadas.
Com mais mortes, diálogo foi retomado nesta segunda
Os diálogos, intermediados pela Igreja, pareciam estar caminhando até quarta-feira (23), quando o governo rejeitou a agenda apresentada pela oposição.
A interrupção levou a uma nova onda de violência, que havia arrefecido nos últimos dias. Ao menos quatro pessoas morreram desde que o diálogo foi interrompido.
Nesta segunda (28), a Conferência Episcopal da Nicarágua convocou novamente representantes do governo e da oposição para a mesa de diálogo, mas ainda não há resultados dessa conversa.
"A delegação do governo e a Aliança Cívica pela Justiça e Democracia expressaram sua disposição de retomar o diálogo nacional na mesa plenária para reaver a agenda do tema da democratização", diz um comunicado publicado em conjunto. A aliança cívica é formada por estudantes, sociedade civil e empresários.
Os opositores prometeram "flexibilizar" os bloqueios das estradas, uma das principais preocupações do governo.
Ortega não parece disposto a deixar o poder e sua base de sustentação, por ora, permite que siga no cargo. Em contrapartida, os manifestantes parecem ceder, mesmo ante a violência.
Uol
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